“ ‘Todes’ não é marca de achocolatado”, declara professor contrário à proibição do ensino da linguagem neutra, nas escolas de Divinópolis

Publicado por: Redação

“Uma boa tarde a todes!”. Assim abriu sua participação na tribuna livre da Câmara, o professor José Heleno Ferreira, decano da rede municipal de ensino em Divinópolis. A saudação foi em alusão ao projeto CM 118/2021 de autoria do vereador Eduardo Azevedo (PSC), aprovado na última quinta-feira (16), o qual dispõe sobre a proibição do ensino de linguagem neutra na cidade. Votação que terminou em 14 prós e um contra, sendo Lohanna França (CDN) a única edil a votar não. O tribuno iniciou com a solicitação que Diego Espino (PSL) se desculpe publicamente pela brincadeira de mau gosto que fez na ocasião da discussão. “Vou dizer o óbvio. ‘Todes’ não é uma marca de achocolatado, como foi dito no plenário desta Casa na última quinta-feira, por um vereador. Aliás, eu penso que seria interessante que esse vereador pedisse desculpa (Faz referência ao edil). ‘Todes’ é uma forma de respeitosamente se dirigir as pessoas não-binárias*.”, explicou o educador.

Ele prossegue. “É uma construção do Movimento LGBTQIA+. É uma construção das pessoas não binárias, para que elas se sintam incluídas no debate público. É interessante nós observarmos que o fato de esta brincadeira – cita o episódio do parágrafo mencionado acima, ter acontecido aqui no plenário desta casa no último dia 16. Demonstra o quanto nós precisamos debater nos espaços públicos sobre a questão da linguagem inclusiva e da linguagem neutra. Não seria bom que nos anais desta Casa, um dia depois onde se comemorou o Dia Mundial da Democracia, que é celebrado no dia 15 de setembro, ficasse registrado sem que se pedisse desculpa por isso uma brincadeira tão ofensiva às pessoas não-binárias.”, pontuou o professor.

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José Heleno então posiciona que apesar de ser contrário a proposta, ele reafirma que é essencial que seja garantido o compromisso do ensino a todas as pessoas de forma geral, no entanto a divergência é a essência do projeto. “Nós temos absoluta concordância com o escopo desse projeto de lei que diz da importância de garantir o direito ao aprendizado da Língua Portuguesa, de acordo com as normas e orientações legais de ensino. Nada temos contra isso. Pelo contrário. É necessário garantir esse direito. Assim como é necessário garantir o direito a aprendizagem de uma forma geral para todas as pessoas.”, posicionou Zé.

Projeto se opõe, ao que assegura a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

José Heleno destrincha partes da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para contra-argumentar contra o projeto aprovado e salienta a questão da inclusão das diversidades. “Mas nós queremos mais do quê isso. Nós queremos muito mais do quê isso. Nós queremos por exemplo que seja também garantido aquilo que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação no seu artigo 3°, no Inciso II, diz: ‘A questão da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber’. Ou então o que diz a mesma LDB, no Inciso III do mesmo artigo ‘a respeito da pluralidade de ideias e concepções pedagógicas’. Ou ainda nesse mesmo artigo, no Inciso IV. ‘O respeito a liberdade e apreço a tolerância. E ainda no artigo 11. ‘A vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.”, destrinchou a lei, o educador.

O professor ressalta que a sociedade civil passa por mudanças contínuas em todas as esferas e que, por isso, as adaptações nas instituições devem ser promovidas a fim de não excluir ou renegar nenhum cidadão. “Se nós queremos uma educação que garanta tudo isso, não é possível nós negarmos as mudanças que acontecem cotidianamente em toda sociedade, inclusive no campo da linguagem. Nós sabemos que a língua é um instrumento vivo que está sempre se modificando.”, ressaltou.

Ainda conforme destaca José Heleno, as instituições de ensino tem um papel fundamental na promoção da cidadania e na construção da opinião dos indivíduos, para que as ideias e pensamentos nas redes se restrinjam apenas aos lares, a imprensa e outros ambientes. “A escola tem por obrigação fazer esse debate. A escola não é uma ilha. A escola não pode ser uma ilha e nem pode se comportar como uma ilha. E ela precisa levar para o seu interior, para o debate com as crianças e os adolescentes tudo aquilo que está presente no movimento social. Do contrário, essas crianças e adolescentes ficarão reféns por exemplo daquilo que está apenas colocado na mídia, ou apenas pelos grupos hegemônicos, que conseguem se fazer ouvir. Então a escola precisa ser o espaço do debate.”, destacou o professor.

Declaração Universal dos Direitos Humanos

Na continuidade da fala, o educador trouxe à tona um trecho da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, três anos depois da Segunda Guerra Mundial e novamente levanta a bandeira das garantias e da inclusão. “No seu artigo 2° diz que toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta declaração, sem distinção de qualquer espécie. Seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição.”, levantou.

Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIA+, segundo levantamento

Para enaltecer a defesa dos direitos a comunidade LGBTQIA+, José Heleno indica dados registrados por organizações não-governamentais e também colhidas em estudos de proteção civis. “Precisamos nos lembrar que nós somos o país que mais mata pessoas trans e travestis em todo mundo. ¼ (Um quarto) – ou seja 25%, das travestis assassinadas no mundo inteiro são brasileiras. E isso precisa ser pensado por nós, educadores e educadoras. Por todos e todas nós que temos compromisso com a construção da democracia e a construção de uma sociedade igualitária. Nós vivemos numa sociedade com altos índices de violência contra as mulheres. Uma sociedade com altos índices de violência contra as pessoas homoafetivas. Precisamos também ter clareza quanto aos baixos índices de escolarização das travestis e das pessoas da comunidade LGBTQIA+. Não é atoa que todos esses dados estão aí presentes na nossa sociedade brasileira e nós precisamos entender o por quê. Pensar o por quê tudo isso acontece. Precisamos ter q clareza que a escola tem um papel diante isso.”, promoveu a reflexão, Zé.

O educador afirma que não está falando para uma minoria e nem sem conhecimento de causa. “Quero afirmar que não estou falando no vazio. Eu sou professor no Ensino Fundamental há 34 anos. 34 anos ininterruptos eu sou professor no Ensino Fundamental trabalhando com crianças e adolescentes. Eu tenho estudado e pesquisado sobre educação. E por isso quando esse projeto (CM 118/2021) foi colocado nesta Casa, eu disse e eu procurei estabelecer e dizer, a necessidade do diálogo. Da necessidade do debate. Inclusive me colocando a disposição para debater sobre este assunto.”, reafirmou.

Estudos a disposição

No desfecho de sua defesa contra o projeto aprovado na última semana, José Heleno coloca a serventia da Câmara e dos vereadores, artigos e pesquisas de sua autoria juntamente com outras (os) assistentes sociais, educadoras (es) e psicólogas (os). “Como pesquisador eu gostaria de colocar a disposição alguns artigos que eu tenho publicado nos últimos anos sobre essa temática.” José Heleno então nomeia e enumera os estudos publicizados. “Por exemplo, em 2018 pela Editora Gulliver. ‘Sobre a diversidade sexual e relações de gênero: o papel da mídia e da instituição escolar na construção de uma cultura de respeito a diferença e combate as desigualdades.’. Pela editora Diálogo Freiriano, em 2019. ‘Pelo direito de ser quem somos. O papel da ciência e da educação no combate a heteronormatividade.’. E principalmente gostaria de convidar as vereadoras e aos vereadores desta casa, que nós fizemos durante dois anos, com crianças e adolescentes de diversas escolas públicas desta cidade e foi uma equipe formada. (…)Que resultou no trabalho que foi publicado agora em 2021 pela Artemis Editora. ‘Gênero e educação. Na escuta das adolescências, um aprendizado.’”, colocou.

Próximo a conclusão, o professor frisa que a intenção dos estudos e dos trabalhos destas pessoas nada mais é que garantir um ensino acessível e plural a todas as pessoas de Divinópolis. “Tudo isso é fruto de muito trabalho e reflexão, que a gente vem acumulando ao longo dos anos, na defesa de uma educação pública, laica, inclusive de qualidade, socialmente referenciada para todos e para todas.”, frisou.

“Como construções sociais, as leis precisam ser revistas para garantir os direitos”

Por fim, o educador pondera ainda sobre as leis e relembra que no passado questões hoje não mais permitidas dentro da legislação, eram aceitas legalmente falando. “No século 19, os brasileiros que tinham dinheiro, tinham escravos. Estavam agindo dentro da Lei (na época). A Lei permitia que senhores brancos, ricos tivessem escravos. A lei é uma construção social e como tal precisa ser tratada. Quando nós estamos aqui defendendo. Quando eu estou aqui nessa tribuna defendendo o que diz a LDB, o que diz a Declaração Universal dos Direitos Humanos, nós estamos defendendo porque concordamos com àquilo que diz essa legislação. Mas estamos também dizendo que a lei é uma construção social, que como tal, nós precisamos sempre estar lutando para construir uma lei que garanta os direitos de todos e todas. E neste sentido as leis não podem ser engessadas. Elas precisam sempre passar por esse processo de revisão, para que elas deem conta também da realidade.”, finalizou o professor.

Não-binário* = A não-binariedade ou identidade não-binária é um termo para identidades de gênero, que não são estritamente masculinas ou femininas, estando portanto fora do binário de gênero e da cisnormatividade. Academicamente, a não-binariedade pode ser frequentemente agrupada à inconformidade de gênero.

Segundo um artigo da LGBT Foundation publicado na Revista Galileu em 2018, pessoas não-binárias sentem que sua identidade de gênero não pode ser definida dentro das margens da binariedade. Em vez disso, elas entendem o gênero de forma que ultrapassa a mera identificação como homem ou mulher.

Por: Vinícius Xavier

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comentários

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  1. Povo 2 disse:

    Que besteira bobagem falta do que fazer. Ficar inventando palavras. Vamos trabalhar tem coisas mais importante no Brasil pra fazer e preocupar. O minoria zica.kkkkkkk

  2. Everaldo disse:

    Sem dúvida nenhuma é a maior concentração de asneira por metro causado, só perde pra CPI

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