Sobre o tempo e a hora certa das coisas – Uma crônica de Gra Castro no Café com Leitura

Publicado por: Redação

Vivemos na era da correria. Um tempo em que é moda e quase cult responder “Tudo bem, na correria de sempre né” ao esbarramos com um conhecido na rua. Parece que não estar sempre correndo contra o tempo virou pecado mortal. Ter tempo para si, uma vergonha. “Que desocupada! Deve estar negligenciando algo, como pode estar com tempo sobrando?”.

Mesmo apressados, atropelando tudo pelo caminho, com um senso de urgência que nos consome, nos sentimos sempre atrás na linha de chegada. Essa contradição me fez refletir sobre o tempo e a hora certa das coisas.

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Qual seria o melhor momento para tomar aquela decisão importante? Mudar de emprego, sair de um relacionamento que não te faz feliz, dar um basta, aprender um instrumento, começar um esporte, recomeçar algo parado, desengavetar sonhos?

Casar-se, arrumar um bom emprego, comprar uma casa, tirar carteira de motorista, ser mãe… Tantas vezes já quis ajustar meu relógio com o compasso do outro. O resultado foi uma mulher que correu demais, se cansou demais e no fim, perdeu ainda mais tempo tentando acertar o passo.

Sobre a hora certa das coisas e estar velha demais para fazer algo, tenho uma história interessante para contar. Meu avô era alcóolatra. Após anos de um casamento que enfrentava as dores e dificuldades que normalmente andam juntas com o alcoolismo, minha avó decidiu se separar. De acordo com as vozes da sociedade que determinam as horas certas para cada coisa, ela estava velha demais para tomar essa decisão, não tinha mais idade para isso.

E lá existe hora certa para dar um basta? Para minha avó a hora certa era aquela. E assim seguiram, dois idosos, depois de uma vida inteira juntos e uma família numerosa, vivendo separados.

Me lembro que um tempo depois meu avô começou a frequentar o grupo Alcóolicos Anônimos. Tenho ainda a imagem da garrafa de cachaça que mantinha no alto da estante, lacrada, aguardando pacientemente um momento especial para “quebrar a ficha”. Foram anos de sobriedade. Meu avô nunca mais voltou a beber e aquela garrafa não foi aberta por ele. Para muitos, o momento em que meu avô decidiu largar a bebida estava tarde demais, afinal, o casamento já havia acabado e ele já estava velho. “De que adianta agora?”.

Com a passagem de mais primaveras, a ação do tempo aliada aos anos de alcoolismo cobrou sua fatura. Meu avô adoeceu. Com o avanço da doença, quando já estava acamado, foi minha avó quem cuidou dele. Depois de anos sem se falar, carregados de rancor, no fim da vida, no leito da dor e da doença, nasceu o perdão. Tarde demais? Eu acho que não. Seis meses depois minha avó também se foi, repentinamente. Simplesmente cumpriu seu tempo e o relógio parou.

Quem é o relojoeiro da vida? Quem marca a hora? Quem tem o poder de acertar os ponteiros? Quem decide o tempo em que as coisas devem acontecer? Meu relógio pode bater descompassado com a sua hora, mas ele está acertado pontualmente com o meu tempo e a minha verdade.

A melhor hora é agora, ou é depois, ou é nunca.

O momento certo é quando você consegue assumir o risco, se libertar, se tratar como prioridade, ou quando sobrou um pouco mais de coragem no fundo da alma.

A vida não é uma maratona. E ninguém precisa correr para chegar em primeiro. Você pode terminar um relacionamento longo aos 35 anos, tirar carteira de motorista aos 40, viver uma nova história de amor aos 50, fazer a primeira tatuagem aos 60. E parafraseando Guimarães Rosa, com pressa, quero só o sofrimento, que é para as alegrias novas poderem vir.

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comentários

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  1. Bet Afonso disse:

    Reflexiva a crônica e nos fa refletir que respeitar o tempo daa coisas é um exercício de humildade e de gratidão .
    Amei Gra e ansiosa para ler todas as outras .

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