O Café com Leitura de hoje, excepcionalmente nesta segunda-feira, dia do trabalhador, traz a o impactante “Véspera”, da autora brasileira Carla Madeira. Depois do profundo “Tudo é Rio”, a autora nos brinda com esse romance que consegue ser ainda mais envolvente e perturbador. A leitura me fisgou desde as primeiras linhas e eu devorei cada página com uma fome absurda de desvendar tudo que o livro escondia. Após o fim da leitura, “Véspera” continuou reverberando em mim por muito tempo.
A história começa narrando a exaustão de uma mãe que, num momento de loucura, abandona o filho de 5 anos no meio de uma avenida qualquer. Pelo retrovisor, a imagem da criança enrolando as mãozinhas na barra da camisa, desolado e só. Sentimos a força do arrependimento que alcança a mãe em poucos segundos. Tarde demais.
O livro intercala dois momentos. O tempo presente, em que Vedina abandona o menino; e um passado remoto, que nos conta uma história paralela apresentando a vida de dois irmãos gêmeos que carregam o estigma dos nomes Caim e Abel. A cumplicidade dos irmãos; o momento em que se entendem como sujeitos únicos e diferentes, embora idênticos; as escolhas que cada uma faz na vida e as consequências dos seus atos, tudo isso são as “vésperas” que antecederam o momento do abandono.
Embora de leitura fluida e ágil, “Véspera” não é uma leitura fácil. A cada página sentimos um soco no estômago que nos tira o ar em uma atmosfera de tensão. Uma trama forte, com personagens crus e autênticos, que permeiam um emaranhado de relações complexas, carregadas de rancor, inveja e arrependimentos. Todos os personagens são relevantes para a narrativa e participam das vésperas que culminaram no ato impensado.
A autora tece uma teia de sentimentos, vivências e traumas muito bem amarrados, sem nenhuma ponta solta. Todos os acontecimentos e o turbilhão de emoções tentam responder à pergunta: Em que momento perdemos o controle a ponto de cometer algo inimaginável?
Carla Madeira foi genial ao criar uma história aparentemente trivial com personagens comuns e transformá-la num vulcão incandescente prestes a explodir. Uma obra prima da literatura contemporânea brasileira que merece estar nas prateleiras dos amantes de uma boa e inesquecível história.
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