CRÔNICA DE UM REENCONTRO: “…e a menina, virou mulher”

Publicado por: Redação

As lembranças são vivas e se misturam com saudades – As saudades são tantas, que chegam a ferir o coração e até os pensamentos. E nas histórias que fazemos pela vida, algumas são repletas de graça e beleza, que contrariando afirmações que aprendi – “nem tudo o tempo apaga, nem tudo se perde no tempo” – digo apenas que nem tudo é o que parece ser.

E aquela menina de passadas firmes num uniforme cinza sobre a blusa branca, cintura afinada pelo cinto de couro marrom e cabelos claros presos, passava na minha frente, todos os dias da semana. Não era um passeio ou trabalho qualquer: era um desfile de verdade, como o de uma conquistadora!

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Tinha um semblante às vezes sério, às vezes alegre… Quase sempre distraída, noutras vezes preocupada, mas o certo é que, a rua de calçamento lhe servia de passarela por aquela alameda de Falcatas tímidas no tamanho e ousadas na floração da primavera.

Júnia, abraçada aos cadernos e livros andava com o cuidado de pequenas donzelas e a firmeza das guerreiras determinadas. Apenas um leve sorriso servia como sinal do começo que enfrentava o fim de um dia morno num colégio de freiras.

Júnia, aquela menina robusta em ideias e pensamentos, mas delicada e leve em corpo e alma, chegara ao fim do seu dia carregando mais um capítulo de sua misteriosa história, secretamente compartilhada com seu travesseiro e algumas vezes com amigas leais.

O banho ligeiro, a troca da roupa, o cheiro gostoso do creme ou loção de mulher lhe cobria o corpo e depois, em frente à TV, assistia mais um capítulo daquela novela maldita, que falava de amores impossíveis. Júnia derramou toda sua elegante alegria entre pais e irmãos ao se despedir e foi para seu quarto.

Apenas seus pensamentos lhe faziam companhia. E neles estavam as vontades, os sonhos e desejos contidos pela jovialidade com alguns limites num infinito mundo de paixões. Tantos pensamentos, tantos detalhes, tantas expectativas lhe faziam viajar com todas as ideias de menina moça disposta a libertar segredos.

Mas, afinal qual era o problema? Quantas dúvidas ela teria? Cada um lhe dizia coisas, como convém!

Ah! Menina, boneca! Felina e até sapeca!

O certo é que em questões de amor seu amante ainda era apenas uma espécie de fantoche, que naquela noite compartilharia seus deboches. Era claro o desejo de Júnia crescer pra viver seus momentos, libertar suas vaidades, seus sonhos, desejos…Segredos!

Talvez, Júnia estivesse vivendo um momento especial. Quem sabe uma mudança sensual libertadora daquele instinto animal, para que a chamassem, mulher!

A pouca luz no quarto lhe permitia ver apenas o pequeno estojo de canetas, lápis e nada mais. A penumbra ainda parecia sugerir alguma coisa maior ou tão grande, que poderia caber apenas mais um pouco de tudo represado em sentimentos ou impulsos incontroláveis.

Um gesto mais brusco deixou seu corpo de bruços sobre um lençol tão claro quanto seus pensamentos. Nada mais poderia impedir Júnia de testemunhar a cumplicidade de sua mão e o seu coração.

Apertando os dedos na caneta hidrográfica, como se quisesse espremer palavras soltas, Júnia se perdeu na doce lição da paixão ensinando, como uma professora à lousa da escola, os verbos “livre, sentir, gostar, pedir…amar!”.

Numa atitude quase metafísica, aquele garoto que pouco sabia das coisas, foi transportado para os braços de Júnia, onde se tocavam sem encostar, se viam e se falavam mesmo cegos e mudos, mas sob a proteção do sorriso de Júnia ao registrar nome e coração num verdadeiro “sudário” santo e divino dos sonhos da menina, mulher, liberdade, desejo…Pecado!

O que sabemos de toda esta história é que, talvez, Júnia tenha sido mais autentica que seu registro gráfico num lençol branco. O lençol foi apresentado a outras pessoas e não sabemos o motivo… Se, como um troféu, ou mais uma contravenção aos bons costumes.

Vejo hoje que o sorriso de Júnia continua o mesmo após tantos anos, agora como mulher madura, mãe, avó e menina. Suas palavras são tão fortes quanto a cor da caneta hidrográfica e sua história tão rica quanto seus sonhos escritos no lençol.

Certo, também, é a minha lembrança de Júnia, a pessoa que me ensinou a lição da ternura no olhar, da maturidade dos seus gestos e a sensibilidade de ainda se lembrar de coisa tão pura e linda, que ainda me faz chorar: pois eu era o garoto dos sonhos… Mas, como Júnia, eu não soube sonhar!

 

Por: Leonardo Junqueira

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