Divinópolis: Médicos questionam critérios da Central de Regulação ao encaminhar pacientes para o Hospital São João de Deus

Publicado por: Redação

Profissionais médicos do maior hospital da região relatam dificuldades enfrentadas no atendimento de pacientes da urgência e emergência – “Podemos dizer que o São João de Deus vive um Protocolo de Catástrofe contínua, porque isso acontece o tempo todo. É como se vivêssemos a todo momento em uma situação de calamidade. E quando uma catástrofe realmente acontecer, o que nós vamos fazer?”. Essas foram as palavras do Chefe de Clínica da Cirurgia Geral,  Renato Corgozinho, durante entrevista em que ele e outros profissionais médicos do Complexo de Saúde São João de Deus questionam os critérios adotados para o encaminhamento de pacientes para o setor de Emergência da instituição.

De acordo com o médico Renato, a instituição não participou do processo de criação do fluxo e dos critérios de encaminhamento de pacientes, e que hoje não tem sido respeitado pela Central de Regulação do Estado e pela Regulação do SAMU – Serviço de Atendimento Médico de Urgência.  “Pelo entendimento médico, ético e técnico, o paciente de uma Sala Vermelha é um paciente com risco de morte ou de grave morbidade, com necessidade de ser tratado em tempo hábil. Em função das dificuldades técnicas da região, em resolver uma série de outros casos que não se enquadrariam nesses critérios, estes foram então ampliados, acredito que por decisão da regulação, para que alguns pacientes que não fossem tão graves, mas que poderiam potencialmente agravar em um intervalo curto, fossem encaminhados para a Sala Vermelha. Mas, se nós levarmos em consideração esses critérios, rotineiramente, nós percebemos que há uma dificuldade de compreensão técnica dos médicos reguladores em definir quais são realmente aqueles pacientes que devem ir para a Sala Vermelha do São João de Deus”, destacou o médico.

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Ainda segundo Dr. Renato, há uma insatisfação por parte dos médicos que atuam na Sala Vermelha daquela unidade, pois há a percepção de que o objetivo do encaminhamento dos pacientes pela Regulação é apenas “transferir o problema” para o São João de Deus, mesmo sabendo que a instituição não é referência para tratamento de alguns casos, como por exemplo, aquelas vítimas de queimaduras.  “Esse é um motivo às vezes de insatisfação e de até certa revolta dos médicos da Sala Vermelha, porque mesmo informando essa nossa deficiência técnica, isso não é observado, não é respeitado e o paciente acaba sendo encaminhado para o São João. Entendo que o sistema deveria ser integrado, assim como está na nossa Constituição. O SUS é integrado. A Regulação daqui não conversa com a Regulação de Belo Horizonte. Isso não é um problema do hospital, é um problema que tem que ser resolvido pelo Estado. Se o Estado de Minas Gerais é único, e existe uma região que tem deficiência técnica em algum atendimento/especialidade, essa deficiência deve ser suprida por outra região”, avaliou.

O Diretor Técnico do CSSJD, Dr. Eliseu Albertin Teixeira, questionou a justificativa dada pela Regulação de que o São João de Deus “é um hospital com mais recursos” para o encaminhamento de pacientes para a Sala Vermelha, mesmo em situações de superlotação ou possibilidade de atendimento adequado em outra unidade hospitalar.  Segundo Dr. Eliseu, já houve casos onde um paciente estava sendo atendido em uma Sala Vermelha de outra cidade da região e foi encaminhado para a Sala Vermelha do CSSJD e não para uma unidade onde o receberia para o atendimento adequado para aquele caso. “Em todas as reuniões da Rede de Urgência e Emergência, tenho ponderado que isso não poderia acontecer dessa forma, uma vez que a Sala Vermelha é um lugar para estabilizar o paciente e transferí-lo para um hospital em que ele tenha condições de ser atendido adequadamente e não transferir de uma Sala Vermelha para outra Sala Vermelha. Então todos os pacientes atendidos em todas as Salas Vermelhas deveriam vir para o São João de Deus? Considerando esse critério, de que o paciente grave tem que ir para o hospital de maior complexidade, todos os pacientes deveriam ir para lá (CSSJD). Porém, o que eu tenho batido na tecla nas reuniões da rede de Urgência de Emergência, é que uma vez o paciente estando numa sala vermelha, ele está sendo atendido por uma equipe que foi qualificada para o atendimento de Urgência e Emergência. Independente se esse setor está vinculado a um hospital ou não, ele está sendo assistido nos critérios de Sala Vermelha”, destacou.

VAGA ZERO

Outro problema destacado pelo Chefe de Clínica da Cirurgia Geral do São João de Deus está relacionado aos pacientes das consideradas “vagas zero”, que são aqueles pacientes que mesmo na ausência de vagas na unidade de Sala Vermelha, deveriam ser encaminhados para a instituição, pelo risco de morte iminente e por não ter condição de ser encaminhado para outro local. Entretanto, este critério não tem sido respeitado, segundo ele. “Na prática, o que temos percebido é que dependendo simplesmente da decisão de fluxo dos médicos reguladores, o paciente entra ou não na nossa Sala Vermelha, cabendo ao médico do São João de Deus apenas realizar o atendimento”, afirmou.

Dr. Marcone Rocha explica que há alguns anos atrás, o conceito da “vaga zero” ainda era “respeitado”. Entretanto, com as mudanças nos critérios, a situação acabou se modificando. Normalmente, eram reservados 10% dos leitos de UTI Adulto para vaga zero, ou seja, caso houvessem 30 leitos para o SUS, três seriam de vaga zero. “Temos capacidade de resolver quase todas as situações. Não são 100%, mas na maioria dos casos estamos habilitados para receber. Esses leitos ficavam usualmente disponíveis, mas tem muito tempo que isso não é real mais e são ocupados continuamente”, destacou.

EFEITO CASCATA

A situação inclusive tem gerado um efeito cascata na instituição, tendo como exemplo a Unidade de Terapia Intensiva Adulta, que acaba recebendo pacientes que poderiam ser tratados em UTI’s de menor complexidade, em outras cidades, uma vez que são pacientes que permanecem internados por muito tempo, diminuindo o giro de leito do hospital, fazendo com que outros pacientes mais graves não recebam o atendimento adequado na instituição, como explicou o Médico Coordenador da UTI do CSSJD, Dr. Marcone Rocha.  “Nós observamos com uma grande frequência que as vagas da nossa UTI são ocupadas por pacientes que poderiam ser tratados em unidades de menor complexidade, entre eles pacientes de longa permanência, ou seja, esse fluxo deveria ser otimizado”, desabafou.

COMO SOLUCIONAR OS PROBLEMAS?

Não há dúvidas de que a Sala Vermelha trouxe um enorme avanço para a saúde em Divinópolis e toda a região Centro-Oeste. Entretanto, para solucionar estes impasses, os médicos esperam que haja diálogo e transparência para que os critérios sejam revistos e haja melhor aproveitamento da estrutura existente na região. “Estamos trabalhando além da nossa capacidade e tendo hospitais e Salas Vermelhas em cidades da região que estão subutilizadas. Equipar essas salas vermelhas para um adequado atendimento e obviamente respeitar a regra, que só podemos extrapolar o número de vagas que temos quando todas as vagas de nossa região estiverem ocupadas. Fora isso, não há motivos trazer tudo para o São João de Deus. Temos que ponderar que o extrapolamento ou a vaga zero só deve ser utilizada quando as vagas normais ou nominais estiverem ocupadas, senão não existe critério para vaga zero. Enquanto os pacientes são empurrados para o São João de Deus como vaga zero, temos outras unidades hospitalares com subutilização de seus leitos, com ocupação de 70%, 80%, enquanto trabalhamos com a média de ocupação de 110%”, destacou o Dr. Eliseu.

A relação com os médicos reguladores também foi outro ponto a ser destacado, pois na visão dos médicos da instituição, a imagem passada é de que há uma relação unilateral, chegando ao ponto da instituição receber acusações completamente infundadas. “Acho que é uma questão fundamental e seria essencial haver um diálogo entre o regulador do Estado e a regulação interna do Hospital. Deveria haver um contato. Temos que entender que aqui em Divinópolis, o São João de Deus é o único que atende SUS e atende a Alta Complexidade da região inteira. O hospital não é inimigo do Estado. É na verdade um parceiro. Ele deve ajudar e encaminhar um fluxo que seja benéfico para a população, para atingir um atendimento de excelência sem desperdício de dinheiro, sem colocar o paciente em risco”, avaliou Dr. Marcone.

Outra sugestão dada foi uma relação mais próxima entre os médicos que atuam nesses casos, para que o médico que está com o paciente recebendo os primeiros atendimentos informe ao médico da unidade de referência sobre a situação do paciente, para que na sua chegada à Unidade, a equipe de atendimento de emergência já tenha informações sobre o estado clínico do mesmo, sem a intermediação do regulador. “Essa é uma situação que poderia ser modificada, por exemplo, estabelecendo regras para contato direto médico a médico. Quando você estabelece o contato direto médico a médico, daquele que está com o paciente com aquele que vai receber, sem a intermediação do regulador, isso é extremamente benéfico para a assistência. A gente recebe uma informação do regulador, falando do estado clínico do paciente, que na grande maioria não bate com o que ele realmente se apresenta quando chega ao hospital. Honestamente, eu não sei quais benefícios esse tipo de conduta adotada atualmente traz para o paciente, lembrando que tudo que nós devemos fazer é sempre buscando melhorar a assistência para ele (paciente)”, disparou Dr. Renato.

Segundo Diretor Clínico do CSSJD, Dr. Túlio Valente, já foram realizadas diversas reuniões com a Regulação, algumas inclusive intermediadas pelo Ministério Público, com o objetivo de resolver tanto a situação do encaminhamento de pacientes para a Sala Vermelha, quanto de pacientes internos da instituição. Entretanto, não houve êxito na solução do problema. “O que temos de fazer para minimizar os problemas, é mesmo estabelecer essa aproximação. Os entes devem ser parceiros. Não adianta forçar a barra, porque o outro agente vai sofrer com as consequências e não vamos resolver as demandas como de fato deveriam ser resolvidas. É lógico que temos planos e projetos para ampliação (de vagas), mas acredito que mediante a estrutura que temos hoje, que de fato faz a diferença no tratamento do paciente, essa aproximação, com um diálogo estabelecido entre as partes, o fluxo da transferência destes pacientes seria mais tranquilo e consequentemente possibilitaria o tratamento mais eficaz do paciente”, finalizou Valente.

Ao final do dia desta última quinta-feira (04), a Comunicação do CSSJD fez uma live, com o Diretor Técnico, Eliseu Albertin Teixeira traçando um panorama sobre o quadro.

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comentários

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  1. Roni disse:

    Meu irmão faleceu ontem por falta de UTI. Quantas vidas serão ceifadas

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